Excerto de um Bando de Carnaval feito na Ribeirinha




Bando de 1936



“Meus senhores e senhoras
Prestai a vossa atenção
A um homem d’alta escola
Com diploma de tabelião.

Sou formado em Coimbra
Grande escola de talentos,
Em linguagem de burro
Para fazer testamentos.

Adoeceu um cavalo
Para as bandas da Prainha,
Por isso vieram vendê-lo
Ao lugar da Ribeirinha.

Vamos agora ao dono
Que ficou com um burrinho,
Tratou de o examinar
Do rabo, até ao focinho.

Pra moer ou acarretar lenha
Ou seja para o que for…
Passa-lhe a mão pela testa
Coitadinho meu amor…

No outro dia de manhã
Quando ia para o trabalho,
Encontrou pelo caminho
O amigo Ramalho.

Ó besta elegante
Ela será para Vender?
O outro respondeu logo:
- É coisa que pode ser.

Eu vou-te pedir um preço,
E não é para ratinhar,
São quatro dias de tirar terra
Ou então para sachar.

Comprou ali o cavalo
Caminhou logo a correr,
Pra ir dizer à mulher
Temos besta pra moer.

O passadio do cavalo
Era andar pela ribeira,
A procura nos buracos
Os ninhos de vinagreira.

A mulher foi amarrá-lo,
Porque tinha que fazer,
Num marouço do aposento
Onde havia que comer.

Quando se lembrou do burro,
Daí a grande bocado,
- Amarrei-o por um pé
Não se tenha ele embrulhado.

Mas assim que lá chegou
Já ele estava no chão,
Com agonias lhe disse:
Vá chamar o tabelião.

Quando eu lá cheguei
O que dor de coração
A custo pode dizer
Vá escrevendo tabelião.

As minhas unhas dos pés
Hão-de m’ as aproveitar
P’ros quatro donos que tive,
Para pedras d’amolar…

A minha pele bem serena,
Com dez varas de largura,
Fica p’ros que m’arrastarem
Às bordas da sepultura.

A mula do Manuel Leal
Também há-de ser minha herdeira,
Dos meus bofes e do fígado
E também da coalheira.

Deixo minha cabeça
A que nunca faltou tino
Ao cavalo do João Biscaia
Porque ele também é meu primo.

A minha forte espinhela,
Bem forrada c’uma saca,
É para a burra do Joaquim Machado
Que a dele já está fraca.

Agora o resto que fica
Até mesmo o coração,
É p’rá minha velha amiga
A burra do Alemão.

Todos os herdeiros morreram
Deste mal apegadiço,
Não puderam fazer mais
Aos donos o seu serviço.

Eu não ofendi ninguém
E ninguém me ofendeu,
Ninguém se pode zangar
Foi isto que aconteceu.

A todos peço desculpa
Pela leitura disto tudo,
Isto é um passatempo
Desta festa do Entrudo.”

 João San João


Fonte: livro “o Bando da Burra” – Bandos Carnavalescos e crítica Social 1936 a 2008










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